terça-feira, 26 de junho de 2012

Resenha: Ponto Cego

Capa
Autor: Felipe Colbert
Editora: Novo Século
Origem: Brasileira
Ano: 2012
Edição: 
Número de páginas: 352
Skoob
Onde comprar? Editora Novo Século.
Sinopse: Um ano após o acidente que interrompeu a gravidez de Nilla e sentindo-se culpado pela iminente separação, o repórter Daniel Sachs recebe um pedido de socorro incomum de sua ex-mulher e descobre que ela desapareceu em Veneza durante a cobertura de um show de ilusionismo.
Seguro de que é o único que pode ajudá-la, ele parte em busca do resgate da fotógrafa e, consequentemente, a correção de todo passado. Porém, pistas misteriosas dão indícios de que o desaparecimento de Nilla possa estar ligado a um novo tipo de comércio ilegal na cidade – a produção de filmes snuff.
Incerto das próximas ações, Daniel enfrentará uma série de obstáculos e revelações imprevisíveis até chegar ao clímax arrebatador.


Book Trailer:



Análise:


“Intermináveis segundos se passaram, vendo a mão [...] se aproximar. O ar escapuliu dos pulmões. Torcia para desmaiar antes que a lâmina o atingisse, mas sabia que não aconteceria. E mesmo que acontecesse, o homem faria de tudo para acordá-lo. Queria vê-lo sofrer, senão, qual era a graça?”
—Pág. 269.


Felipe Colbert
Saudações, caríssimos leitores do Policial da Biblioteca! A resenha de hoje é especial, pois este foi um livro que realmente me deixou fascinado, não que todos os anteriores, deste ano, não me deixaram, mas este em particular conseguiu me capturar não somente pelo gênero da história (suspense), mas pela maneira como comecei a enxergar exatamente detalhes que sempre admirei em histórias policiais e o impressionante modo como cada virar de páginas me deu a impressão de estar sempre na mesma página, algo grandioso, pois a história fluí tão bem que a leitura se mantém num ritmo constante, não por uma quantidade exacerbada de ação, mas pela narração do Felipe que lhe envolve em cada sutileza da trama, mas vamos caminhar mais um pouco por esta obra e tentar explicar melhor as coisas.
Com o início do livro, podemos pensar que o autor já pretende nos jogar no meio da fogueira e fazer o nosso desejo pela história começar em um ponto do enredo já quentíssimo, porém isso é somente um aperitivo do que está por vir. Obviamente que a curiosidade de qualquer leitor é atiçada com a cena e em uma história de suspense, onde as aventuras em busca de pistas é um dos pontos altos, acabamos já iniciando o exercício de nossa imaginação pensando: “O que é isto? Qual o seu sentido?”. Após nos permitir experimentar uma singela porção do ápice da história, Felipe opta por nos elucidar um acontecimento “simples”, mas que se tornou fundamental em todos os eventos futuros do livro. Com essa cena elucidativa conhecemos Daniel Sachs e sua, na época do ocorrido, esposa Nilla. Essa cena me fez sentir uma leve antipatia, mas posteriormente pena de ambos os personagens, pois fiquei impressionado como uma discussão por motivo tão banal foi estopim para algo tão trágico. A minha antipatia pelos personagens foi nutrida pela motivação tão frívola para a troca de palavras ácidas, contudo depois reconheci o quanto às vezes todos nós somos assim, não medimos as consequências de nossos pensamentos externados e acabamos gerando algo que foge de nosso controle e o próprio acaso ainda se responsabiliza por tornar tudo ainda pior.
Conforme fui avançando em minha leitura percebi o quanto os personagens de “Ponto Cego” são figuras verdadeiramente dotadas de propriedades humanas e não apenas ícones pouco atrativos e com um sabor amiúde intragável por serem tão “certos”, impossibilitando que o leitor sinta uma sincera empatia pelos personagens e acabe desenvolvendo fortes sentimentos, coisas que só são possíveis em histórias maduras que saibam administrar o espírito humano, um elemento extremamente maleável. Sendo assim, Felipe explora várias possibilidades do ser humano e com isso torna cada um dos personagens absolutamente únicos, entretanto, como alguns poderiam esperar, os personagens não são moralmente perfeitos ou indivíduos com convicções sempre claras, os contornos oscilam e nos permitem observá-los por perspectivas que eles mesmos tentam camuflar para as demais pessoas. Todos temos peculiaridades que não convém compartilhar com a sociedade e em sua narrativa é o que Felipe permiti que vejamos em suas criações. O maior exemplo disto provavelmente é o Investigatore Giuseppe Pacino. Com Pacino vemos um humano profundamente crível, talvez alguns o achem digno de pena, outros vão considera-lo um fracassado, mas o importante é levar em consideração toda a sua formação espiritual e mental, além do contexto em que ele está inserido.
Pacino é um detetive que usa o álcool como meio para fugir da imundície que permeia atualmente as ruas da Sereníssima (Veneza) e a questura (polícia). Com isso deduziríamos que o detetive seria alguém amargurado com a sua profissão e isso está certo em parte, porém o seu senso de justiça ainda está vivo, apesar de que um pouco distorcido, segundo a avaliação de algumas pessoas, e isso o faz assumir o ar de um anti-herói que com certeza todos vão acabar admirando. Mesmo usando maneiras brutas em seus enfrentamentos com situações de tensão e quase botando a perder muitas coisas, o Investigatore Pacino é uma peça fundamental nesse tabuleiro e foi muito bom acompanhar as suas frustações e consequentemente mergulho em garrafas de bebida, o infortúnio profissional se desenvolve no mesmo passo em que sua degeneração física e psicológica, mas Felipe nos surpreende com a maneira como acaba trabalhando esse personagem nas últimas páginas.
Um de nossos guias pela história é um indivíduo chamado apenas como “O Entregador”, a falta de um nome nos prende ainda mais às páginas, pois não sabemos todos que realmente estão envolvidos nessa rede de mortes lucrativas e constantemente olharemos pelos cantos dos olhos desconfiados de muitas pessoas e nesse labirinto de dúvida é quase impossível diferenciar aliados e inimigos. O Felipe soube muito bem trabalhar detalhes que deixam margens para especulações e isso alimenta a voracidade de qualquer fã de suspense e se você não for tão fascinado tanto assim pelo gênero, com certeza irá reavaliar a sua relação com o estilo e provavelmente sairá apaixonado. Isso é fruto de uma obra que consegue se alicerçar em diversos pontos: enredo, personagens, modo de narrar, estilo de escrever e muitos outros aspectos técnicos, alguns dos quais com certeza desconheço.
Em muitos livros de suspense é comum que a narração se foque nos mocinhos que tentam encontrar um caminho até o criminoso por meio de um avançado processo de investigação com direito ao uso das mais modernas ferramentas, mas além do autor nos proporcionar em vários momentos “enxergar” pelos olhos assassinos, claro que não direi quem ou quantos são, o que por si só uma oportunidade sensacional e que instiga a leitura, o processo investigativo é feito de modo completamente baseado em processos de deduções sem a ajuda de uma super equipe de investigação ou sofisticadas máquinas. A maneira como o processo investigativo é orquestrado artesanalmente, como as histórias clássicas de Poe, é um espetáculo literário e me fez aplaudir justamente por soar como uma homenagem ao modo clássico que as histórias de suspense eram escritas, pois todo gênero literário é uma construção histórica e por mais que um escritor possua talento deve ser humilde suficiente para admitir como as suas obras não poderiam existir sem colossos do passado que criaram a muito sangue e suor as trilhas de um estilo e sempre vão mostrar para o futuro, com seus trabalhos imortais, como ainda há infinitas possibilidades. O fato dos personagens investigarem como muitos fizeram séculos atrás foi o que mais me conquistou nesse livro, não que eu seja saudosista, mas esse detalhe ressalta a sagacidade dos personagens e acredito que todos aqui vão concordar que inteligência é estimulante e nos faz amar um livro, além de ser sempre bem-vinda nas pessoas com quem convivemos.
O cenário escolhido por Felipe serviu perfeitamente para criar o clima de suspense. Qual o motivo para que eu diga isso? É o seguinte: Daniel nunca havia ido para Veneza e imaginem como seria ter de sair de um lugar que você conhece e no qual se sente seguro para ir em busca de uma pessoa, provavelmente resgatá-la de um grande perigo, em uma cidade que você não conhece e na qual não possui pessoas em que tenha certeza de que pode confiar? Obviamente isso é motivo mais do que suficiente para se estabelecer um clima de desconfiança e passos hesitantes. O autor ainda nos brinda com descrições vivas da cidade, não somente físicas, mas alguns detalhes históricos, algo que me deixou deslumbrado somente por imaginar os lugares, evidentemente isso é prova de um trabalho maduro para deixar a ambientação de qualidade e não causar estranhamentos nos leitores ou um texto carente de descrições, o que dificultaria a imersão na história.
O primeiro contato em Veneza que traz um leve conforto para Daniel é a bela Paola, uma simpática mulher que em conjunto com seu irmão, Gino, são proprietários do hotel em que Nilla estava hospedada antes de desaparecer e no qual Daniel acaba ficando também. A figura feminina de Paola acaba acrescentando um tempero a mais ao livro, pois a sua parceria com Daniel funciona com grande harmonia e não cai no óbvio, sem maiores detalhes para evitar spoiler. Gino, apesar de ser um personagem secundário, também tem o seu peso na história. Nada é mero capricho nesse livro, tudo foi colocado na obra milimetricamente, e ao concluir a leitura vocês vão concordar comigo. Eu não esperava menos de uma pessoa que trabalha com estruturação de romances e já passou por um mercado editorial estrangeiro antes de vir com a obra para o Brasil.
Quando descobrimos o que está acontecendo nos canais de Veneza é inevitável que fiquemos boquiabertos, pois pelas belas ruas da Sereníssima, durante o carnavale, alguém desconhecido, assim como as centenas de pessoas mascaradas que buscam o prazer nesta época na cidade, está raptando mulheres para a produção de filmes snuffA questão dos filmes snuff é apresentada ao leitor com toda sua pungência, apesar de que as cenas com mais sangue não são banhos de sangue como nos filmes slasher dos anos 80 e 90, por exemplo. Na verdade a violência declarada, as cenas de tortura, não são tão pesadas. Desculpem-me, mas é que estou habituado a filmes e livros violentos, portanto, para mim, as cenas sanguinolentas não foram tão impactantes, contudo o caráter maléfico dos envolvidos nesse comércio da morte transborda pelas páginas e uma das últimas cenas do livro deixa isso ainda mais forte, pois adentramos, literalmente, na toca do “mal”, um lugar escuro, fétido, sujo e que causa claustrofobia e um medo quase paralisante. A aliança entre o cenário e o tema foi perfeita, não consigo encontrar uma palavra que possa transmitir melhor o meu sentimento. Ainda é aberto um espaço para interpretarmos os filmes snuff como uma metáfora para o culto ao prazer doentio em nossa sociedade, pois quantos casos não ouvimos ou presenciamos de acidentes em que as pessoas ao redor se preocupam antes de sacar os seus modernos celulares para capturar o momento ao invés de chamar o socorro? Talvez algumas pessoas que estejam perto de nós não sejam tão diferentes dos assassinos que comercializam estas macabras produções, inclusive, durante o livro, ficamos sabendo do envolvimento de pessoas dos mais variados setores de nossa sociedade na aquisição das fitas.
Quando achamos que o livro chegou no ponto de repouso para que o final se concretize, somos surpreendidos novamente com uma revelação imprevisível e que deixará tudo com um novo significado. “Ponto Cego” é uma obra surpreendente, empolgante, muito bem escrita, em resumo, um delicioso banquete literário! Recomendo à todos o livro! Boa leitura! Abraços e até outro momento.

6 comentários:

  1. Ótima resenha, querido. Parabéns mesmo, analisou os pontos principais e captou a essência do livro.

    Só achei um cadinho grande demais...hehehe

    Beijooooos

    Gleice
    www.murmuriospessoais.com

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    1. Obrigado pelo comentário, Gleice. Sempre tento fazer resenha bem estruturadas. Realmente, a resenha ficou grande xD Da próxima vez vou tentar me controlar.

      Beijos!

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  2. Olá Coração!

    AMO SUSPENSE! *-*
    Você disse uma coisa legal na resenha: Que o autor nos deixa olhar com os olhos do assassino... OMG!
    Sempre que leio um livro narrado em primeira pessoa sinto como se tudo aquilo estivesse acontecendo comigo...
    Imagina só... Matar alguém... Torturar por diversão!?!?

    Sei que esses não pensamentos de gente normal....
    É que as vezes vejo umas coisas tão horriveis, que fico com taaaanta raiva e acabo tendo esses pensamentos maldosos...

    Mas vou guarda-los para meu conto.
    Tenho certeza de que vai gostar!

    Beijokas!

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    1. Olá, Anny *-*
      Sim, nós compartilhamos um grande amor por esse gênero :D
      É, muito intrigante pensar por essa perspectiva. Isso deixa justamente tudo mais perto e nos cativa.
      Sim, normal às vezes termos muita raiva de algo e imaginar, todo mundo faz isso, mas o separa a patologia da pura imaginação é a concretização do ato, ao menos é assim que penso.
      Sim, estou muito ansioso pelo seu conto :)

      Beijos!

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  3. Nunca tive a oportunidade de ler esse livro (e nem nada do autor em questão), mas a premissa me pareceu interessante. Parece que tem uma trama bem entrelaçada e faz tempo que não leio algo que valha a pena nesse quesito. Espero me surpreender, pois independente de ganhar ou não o concurso eu vou comprar esse livro rs.

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    1. Sim, Edi, o romance do Felipe é extremamente bem estruturado, ele trabalha com isso e não esperava algo diferente, mas ele também surpreende por outros motivos que citei na resenha. Isso mesmo, leia, mesmo que seja comprando depois, e depois me diga se o que disse não é verdade. kkkkkkkkkkkkkkk

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